quarta-feira, 16 de junho de 2010

Introdução



A arquitectura Barroca atinge o seu auge em Portugal, no reinado de D. João V.
São construídas e remodeladas inúmeras igrejas e mosteiros, segundo as características da corrente do barroco. O objectivo é atrair o maior número possível de pessoas à vida cristã, segundo esta nova imagem e encantamento arquitectónico, não só a nível exterior como interior dos monumentos.



A Igreja e o Mosteiro de Santa Maria de Bouro, situados no concelho de Amares, distrito de Braga, concebem também a necessidade de uma completa remodelação, também pelo facto de estar em grande decadência.
Estes magníficos monumentos datados de 1142 e posteriormente modificados no século XVIII sobre esta corrente, fazem prevalecer as suas inúmeras histórias nos habitantes desta vila.
A riqueza arquitectónica ajuda a reforçar a fé e constitui um dos mais antigos monumentos do norte de Portugal.



Na Igreja e no Mosteiro dominam os principais factores da arquitectura do norte como a famosa talha dourada, ...



o azulejo do século XVIII...



e o Brasão.



O mobiliário da sacristia também se reveste de grande importância e qualidade artística mas as grandes atenções vão para a grandiosa cadeira abacial do século XVIII e do magnífico cadeiral do século XVII.
No entanto, existem outras artes pertencentes a esta corrente que irei explicar adiante.

A Origem da Arquitectura Barroca

A arquitectura do Barroco nasce na reconstrução que os papas efectuaram em Roma em que o Tratado do Concílio de Trento sugere a necessidade de uma adaptação às exigências da nova ortodoxia litúrgica. Este tratado aumenta, assim, notavelmente, o número de igrejas construídas segundo os seus princípios.
Esta arquitectura tem como finalidade dirigir-se ao grande público. Define uma linguagem nova e original, a da arte barroca com mais fantasias e mais cénica, de acordo com a imaginação de cada criador. Cria princípios renovadores como a libertação do espaço, o fim da estaticidade e da simetria, a busca da fantasia e do movimento e as antíteses entre espaços interiores e exteriores.
Esta arte destina-se a estimular as emoções dos espectadores pelo movimento curvilíneo, pela busca do infinito, pelo teatro, pela fantasia e jogo ostentatório da luz e da sombra. O Barroco difunde a realidade religiosa transmitindo emoções aos seus crentes. Segundo Molinus (2004, pág:14), “A Igreja é a imagem do céu sobre a terra.”
Estas novas características trazidas por esta corrente servem para atrair o público através da sua grande riqueza arquitectónica, sendo a arte barroca uma arte sensível, imaginativa, rica de conteúdos e tecnicamente rigorosa.

Surgimento do Barroco em Portugal

Em Portugal, o Barroco surge entre 1580 e 1756. O seu desenvolvimento atravessa dois acontecimentos históricos que se reflectem na sua produção artística, sendo o primeiro a grande austeridade e contenção de despesas da União Dinástica até finais das Guerras da Restauração, e o segundo a maior riqueza estabelecida no reinado de D. João V. Este rei cristão apoia a arquitectura barroca do nosso país com as grandes ajudas vindas do ouro trazido do Brasil, terra que simboliza o fabuloso “ El Dorado”. O ouro extraído de ribeiros e de minas contribui para as receitas mais importantes que permitem as grandes obras da arquitectura barroca do nosso património.

A Importância da Arquitectura Barroca no Norte de Portugal

O norte de Portugal tem uma grande riqueza histórica devido ao facto do primeiro rei, D. Afonso Henriques, ter nascido nesta zona e ao facto de a cidade de Guimarães ser a zona onde conquistou a independência portuguesa em relação ao Reino de Leão.



Daí a grande importância do Brasão na arquitectura que, na maioria das vezes, se encontra nas Igrejas e Mosteiros, mas também em solares de famílias nobres do norte.
Estas obras magníficas são construídas com pedra de granito, pois no norte aparecem em abundância nas imensas pedreiras existentes.
A talha dourada também é um dos principais e fortes factores desta zona, uma riqueza de origem nacional. É uma técnica escultórica em que a madeira é esculpida e, posteriormente, revestem-na por uma película de ouro. A talha destaca não só o facto de ser toda revestida de ouro, mas também pelo seu jogo de volumes e formas dinâmicas, a decoração aparatosa e fantástica como a que prevaleceu nas oficinas de Braga. A talha dourada foi também aplicada em imobiliários, coches e bibliotecas. Torna-se num dos principais cunhos na arquitectura barroca do norte porque, desde o século VIII a.C., já se trabalha o ouro e estabelecem relações com o norte da Europa que ajuda, assim, nas formas e na tecnologia.
Outro factor importante é o azulejo, onde as cenas pintadas transmitem ao espectador uma representação teatral. Ao azulejo barroco dá-se o nome de Cartela em que os cantos são decorados por enrolados ou por decorações vegetais, sendo uma técnica que serve de moldura. O azulejo barroco inspira-se no modelo holandês, em que as cores azul e branco são predominantes, e passam a constituir a expressão cromática exclusiva.
O azulejo barroco tem três funções básicas, sendo a primeira simplesmente decorativa e concentra os espaços por meio de uma repetição quando não figurativa; a segunda, juntamente narrativa e decorativa para ampliar os espaços em cenas perspectivadas em trompe l’oeil que é um jogo de sedução e de confusão para atrair a curiosidade do espectador; por último, temos comum às duas anteriores, a apelativa que se destina a seduzir os espectadores, convencendo-o e dominando-o pelos efeitos ilusionísticos do cromatismo e da luminosidade que imprimia aos ambientes.

Contexto Histórico da Igreja e do Mosteiro de Santa Maria

A Igreja e o Mosteiro de Santa Maria de Bouro, erguidos sobre o Antigo Mosteiro de S. Bernardo, foram completamente remodelados sobre a arquitectura barroca no século XVIII.
O antigo Mosteiro de S. Bernardo era uma Abadia Cistercience fundada em 1148.
A Ordem de Cister era uma Reforma de origem francesa que tinha como finalidade a simplicidade e o puritanismo. Daí que todos os Mosteiros tivessem de ser edificados em locais desertos devido ao respeito e ao silêncio. A escolha do local da construção do mosteiro também foi importante, pois era necessário que a terra fosse fértil e que tivesse água por perto, pois a rígida clausura a que remetiam os monges, fez com que o mosteiro tivesse de ser auto-suficiente. Era indispensável estar afastado de qualquer localidade ou castelo. Para a sua sobrevivência, continham necessariamente: o moinho, forjas, celeiro e oficinas. A austeridade, o acetismo, o silêncio e abstinência eram princípios fundamentais e os monges desta Ordem vestiam hábitos de castanho e tinham barba. Este Mosteiro foi erguido em nome de S. Bento e de S. Bernardo porque foram os dois monges fundadores desta Ordem.
A cabeça desta Ordem em Portugal era o mosteiro de Alcobaça que foi fundado em 1153.

Lenda



O mosteiro de Santa Maria de Bouro está envolvido numa lenda. Na ocupação
muçulmana do século VIII, dois eremitas presenciaram várias luzes à noite numa rocha. Foram ver do que se tratava e encontraram uma bela imagem da Virgem Maria com o seu Menino Jesus ao colo.



Para a sua adoração, decidiram construir uma ermida para albergar a imagem. Este mistério atraiu imensos peregrinos e foi mais tarde construída uma Abadia e a própria Igreja e Mosteiro de Santa Maria de Bouro. Em 1162, existia neste local um pequeno grupo de eremitas, segundo um documento da chancelaria de D. Afonso Henriques. Este grupo de homens vai agrupar-se segundo a Regra de S.Bento em 1182, e antes do final do século, este mosteiro vai filiar-se na Ordem de Cister.

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Há duas datas relativas à fundação do Mosteiro à Ordem de Cister, extraídas do livro Pousada Sta.Maria de Bouro.

Descrição da Igreja e Mosteiro (incluindo Imagens)



No acesso à Igreja, deparamos logo com o exagero da grande escadaria de granito que conta com 23 degraus. O corpo da Igreja é definido pelos blocos de granito que são cuidadosamente polidos e aparelhados.



A fachada é visível e dinâmica, apresentando três arcos de volta perfeita, sendo a central de maiores dimensões e forma a nártex, sendo um pátio à entrada, e a galilé que é a cobertura à porta da Igreja.



Por cima dos três arcos apresentam-se três nichos (pequenas aberturas esculpidas na parede) onde se encontram três santos de escultura barroca. Os nichos têm como finalidade honrarem os santos ou heróis neles presentes para o exterior dos monumentos, afim de ser visível ao público. No nicho esquerdo encontra-se S. Bernardo, no do centro a Virgem Maria, no da direita S. Bento. Os tectos são em forma de concha de vieira.
Estas esculturas são esculpidas na perfeição e verifica-se o exagero do barroco pelos ondulados das roupas. Por cima dos nichos encontram-se frontões esculpidos na pedra de forma triangular que decoram a fachada principal, sendo constituídos por duas partes essenciais: as cimalhas (bases) e as empenas (os dois lados que fecham os triângulos). Estes triângulos têm uma importante simbologia utilizada no barroco. Trata-se do símbolo da trindade como signo do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Por baixo dos nichos, a pedra esculpida forma linhas e redondos perfeitos.



Na parte superior dos nichos e janelas encontra-se um Brasão esculpido na perfeição, contendo nele as Armas de Portugal e da Congregação Autónoma, encimadas por uma cruz latina. Duas torres sineiras de planta quadrangular e de cobertura bulbosa encontram-se nos lados da fachada e são também decorados. Elas estabelecem elementos independentes do edifício principal, mas que o completam reforçando a verticalidade.



O interior da Igreja apresenta-se dividida em três naves laterais, sendo capelas abertas, e a nave central é a de maiores dimensões. As naves estão separadas por arcadas (uma séries de arcos de volta perfeita) e são sustentadas por colunas de Ordem Toscana.





Na Igreja encontram-se esculturas de santos barrocos onde a iconografia sacra, severamente vigiada pelo Tribunal do Santo Ofício, se baseia numa nova ortodoxia dos temas sagrados, preferindo a vida de santos mártires, como São Marcos Evangelista, onde se encontra entre duas naves laterais da direita, São Sebastião da Pedreira que se encontra numa nave lateral esquerda, entre outros.



As janelas desempenham um papel fundamental para a entrada da luminosidade do Sol. As paredes e os tectos são estucados e compostos por organizações côncavas e convexas. O tecto é composto por “abóbada” de madeira.



No falso transepto, decorado com azulejos do século XVII, encontra-se uma pia de água benta românica, proveniente da igreja primitiva.



A separar a nave da capela-mor, está o arco triunfal decorado com um Brasão coroado, contendo as Armas de Portugal e da Congregação Autónoma, acompanhado por putis que são anjos nus ao seu lado e revestido de retábulo dourado e policromado.



As naves laterais são cobertas por estrutura de talha dourada e policromada e apresentam segundo a iconografia sacra, imagens barrocas de santos.



Numa nave lateral apresenta uma pintura barroca da Sagrada Família, sendo considerada como o tema mais importante na crença cristã, segundo a mística a que a Igreja aderiu. A figura central é o Menino Jesus, sendo ele a figura mais clara, e a menor que significa ser a personagem principal e a tela apresenta a tríade das cores, sendo elas o azul, o vermelho e o amarelo. As figuras possuem gestos, numa composição teatral e a vibração cromática é bastante rica.



As naves centrais também são cobertas por estrutura de talha barroca, contendo na nave direita uma pintura de Nossa Senhora vestida de branco em contraste com o escuro da tela. Nesta nave apresentam-se incluídos os putis e um revestimento por retábulo dourado e por mármore policromado.



A nave central esquerda apresenta uma tela com Cristo ressuscitado acompanhado por putis e segundo a iconografia sacra a ressurreição de Cristo representa a fé e a esperança.



Na parte inferior da mesma nave encontra-se o Senhor morto. Aliás, ao longo de toda a igreja, presenciam-se várias imagens que retratam o sofrimento e a morte num contraste entre a vida e a morte.



São exemplo o Senhor preso, as cenas da Paixão de Cristo que caminham ao longo da Igreja, retratos fúnebres, a Nossa Senhora da boa morte entre outros. O espectador chega a comover-se, convertendo a Igreja num espaço cénico, num teatro “sacrum” onde os dramas são encenados. Estes temas foram referenciados pela nova iconografia na época do barroco.



O coro encontra-se separado da Igreja por balaústres de madeira.



No altar-mor estão presentes a grandiosa cadeira abacial do século XVIII...



...e o magnífico cadeiral feito em meados do século XVII, onde os monges faziam as suas orações.

Na parte superior do cadeiral apresentam-se painéis de talha dourada de grande qualidade artística. Nos painéis da esquerda narram-se episódios da vida de S. Bernardo enquanto os da direita representam os de S.Bento.
Para além da qualidade artística, o que é assinalável nestes painéis é que eles retratam cenas similares da vida destes dois santos.



Assim, temos do lado direito S. Bento rezando a Cristo que o chama;



S. Bento recebendo o hábito monástico;



S. Bento rejeitando as honras mundanas;



S. Bento derrotando Totila, rei dos Godos;



A morte de S. Bento;



A exaltação de S. Bento.



Do lado esquerdo, surge S. Bernardo rezando em frente à porta da Igreja e vendo em sonho o nascimento do Menino Jesus;



S. Bernardo recebendo em Cister o hábito monástico;



S. Bernardo rejeitando as honras do mundo;



S. Bernardo derrotando o duque da Aquitânia;



A morte de S. Bernardo;



A exaltação de S. Bernardo.



O altar é revestido pela magnífica talha dourada dando destaque ao jogo de volumes.



Apresentam-se pilares decorados com grinaldas de flores e,à direita, encontra-se a imagem de S. Bento,...



...à esquerda S. Bernardo e, ...



...na parte superior central, a imagem de Nossa Senhora da Assunção.



Na parte inferior central apresenta-se o mundo que destaca a concepção teocêntrica. Aí é guardado o cálice com as respectivas hóstias da missa.



Também é apresentada a Fénix Renascida, sendo as penas brilhantes e douradas, representando a simbologia solar. A Fénix está ligada à imortalidade e à ressurreição, contrastando entre a vida e a morte.



Na parede esquerda do altar-mor encontramos um quadro entre outros de pintura tenebrista naturalista em que a claridade de Cristo está em contraste com a escuridão. A tela é intitulada de “Nossa Senhora da Piedade” com o seu filho morto nos seus braços, transmitindo-nos um grande sentimento de sofrimento.



A sacristia da Igreja, datada de 1715, é revestida de azulejo azul e branco do século XVIII.



O tecto é composto por caixotões planos enquadrados sobre moldura talhada, e dourada e decorados com motivos simbólicos e...



...acompanhados por uma lenda em latim na madeira polida e policromada. As características do tecto pertencem ao Barroco Joanino, que é uma produção artística ao longo do reino de D. João V.



A planta da sacristia é rectangular, dividida em dois tramos, sendo coberturas arqueadas por um pilar onde descarregam dois arcos de volta perfeita.



As paredes são revestidas de painéis de azulejos azuis e brancos do século XVIII, representando cenas da vida de S. Bernardo como o santo conversando com a sua irmã Umbelina;



A sua recusa em recebê-la em Claraval devido ao luxo do seu vestuário;



A viagem em que S. Bernardo obrigou o diabo a deitar-se à água;



S. Bernardo obrigando o diabo a servir de roda de carroça;



A bênção da taça;



S. Bernardo afastando a água da chuva de um escriba;



A conversa de Guilherme da Aquitânia.
Estes painéis também ganham estatuto teatral na narração destes episódios da vida de S. Bernardo e são “moldados” por enrolados e decorações vegetais.



A toda a volta e encostado às paredes, encontra-se o mobiliário da sacristia, em madeira e com aplicações em bronze nas gavetas.



Numa das paredes, entre as duas janelas, encontra-se um armário de madeira embutido, contendo várias gavetas onde os monges guardavam os seus terços e outros objectos pessoais.



O chão da sacristia é todo revestido com grandes pedras de granito polidas.



O acesso entre a sacristia e o Convento é feito por um átrio abobadado onde se apresenta uma magnífica fonte cuidadosamente esculpida, representando uma criança e um animal que, por sua vez, expele água.



Dentro do mesmo acesso, encontra-se um sino que fica perto da fonte para dar importância a esse elemento criativo.



As paredes do Convento são revestidas de granito, sendo a fachada principal no segundo piso e onde se encontram as antigas celas dos monges por inúmeras janelas de sacada. Entre as janelas encontram-se nichos com estátuas de heróis nacionais: o conde D. Henrique, D. Afonso Henriques, D. Sebastião, o cardeal D. Henriques e D. João IV.



A entrada principal do segundo piso é apresentada por esculturas barrocas da Sagrada Família, na parte superior da porta.



A entrada do primeiro piso é marcada com uma grande escadaria de granito que dá acesso ao segundo piso.



O Claustro de planta quadrangular é composto por dois andares. Os arcos de volta perfeita assentam-se em colunas monolíticas que é formada de uma só pedra e de grande dimensão e que descansam sobre um pequeno murete.



No centro do Claustro encontra-se uma antiga levada de água.



O pavimento é revestido com grandes lages de granito escondendo as sepulturas dos antigos monges.



Para o claustro abria-se como era costume a sala do capítulo.



A galeria superior era fechada, contendo apenas as janelas que abriam para o centro deste pátio.



O antigo Mosteiro de Santa Maria de Bouro foi totalmente recuperado e adaptado a uma luxuosa Pousada, uma das mais conceituadas do nosso país.